“As medidas do presidente Trump basicamente pegam o livro de regras da OMC e jogam no lixo, mas não quer dizer que o sistema seja inútil”, diz Roberto Azevêdo

Roberto Azevêdo

Foto-Roberto-Azevedo-Redes-Sociais-150x150-1 “As medidas do presidente Trump basicamente pegam o livro de regras da OMC e jogam no lixo, mas não quer dizer que o sistema seja inútil”, diz Roberto Azevêdo

O tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode gerar pressões inflacionárias e desaceleração econômica global, segundo avaliação do ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), consultor e presidente global de operações da Ambipar, Roberto Azevêdo. 

Diante da ameaça de Trump em adotar medidas contra-retaliatórias, o diplomata brasileiro disse, em entrevista exclusiva ao Agro Estadão, que o caminho mais promissor para o governo brasileiro deve ser o diálogo, além de tentar entender as melhores soluções antes de estabelecer uma estratégia mais definitiva.

Na quarta-feira, 2, o governo brasileiro disse que pode entrar com recurso na OMC. Azevêdo comentou que a medida, na prática, teria mais um efeito simbólico do que um desfecho litigioso. No entanto, ele ressaltou a importância da OMC como referência para o comércio internacional entre os demais países, mesmo reconhecendo que o sistema está defasado.

O que o tarifaço anunciado por Donald Trump significa na prática para o comércio mundial?

Com o aumento linear das tarifas em torno de 10% adicional, além das tarifas setoriais já aplicadas a setores como aço, alumínio, automóveis e autopeças, e das tarifas recíprocas, é de se supor que o impacto macroeconômico será imensurável. Com isso, as consequências mais óbvias são pressões inflacionárias de um lado e desaceleração econômica do outro. E isso não vai acontecer, penso eu, apenas para os Estados Unidos. A economia global como um todo pode sentir esses impactos e, com eles, uma série de outras turbulências. As taxas de juros podem oscilar possivelmente para cima, se as pressões inflacionárias forem muito fortes. As taxas cambiais também poderão ser realinhadas. 

A sobretaxa se aplica a todos os produtos? No caso do Brasil, os 10% adicionais incidem também sobre o aço e o alumínio, que já foram taxados em 25%? Isso significaria uma elevação da tarifa de importação para 35%?

Não. Elas se aplicam a todos os setores, exceto àqueles que já possuem uma sobretaxação. No caso de automóveis, autopeças, aço e alumínio, as tarifas não se acumulam.

Diante da imposição da sobretaxa de 10% sobre produtos importados do Brasil, o governo brasileiro disse que pode entrar com recurso na OMC. Pela experiência do senhor, que já negociou com o governo Trump, qual estratégia o governo brasileiro deve adotar?

A área de litígios da OMC está, na prática, paralisada, porque o órgão de apelação não tem quórum para operar. Portanto, os contenciosos vão até o final da primeira fase, conhecida como fase do painel. Quando a parte perdedora apela para a instância superior, o contencioso fica no vazio, porque não há um órgão de apelação para ouvir as queixas. Então, do ponto de vista prático, acho que não podemos esperar um desfecho litigioso como acontecia antes na organização, quando havia a possibilidade de autorização de retaliação no caso de descumprimento, coisas desse tipo. Mas há um valor simbólico e político em mostrar para o mundo que um membro da OMC — neste caso os Estados Unidos — está descumprindo as regras, não está observando as regras multilaterais de comércio. E isso tem o seu valor simbólico.

No regulamento das tarifas, o governo dos EUA deixa claro que qualquer retaliação pode levar a um novo aumento de tarifa. Diante deste fato, na sua avaliação, o Brasil deve seguir com a postura diplomática — marca histórica do país?

É um cálculo que tem que ser feito pelo governo brasileiro. O presidente Trump tem ameaçado, por exemplo, adotar medidas contra-retaliatórias. Então, é preciso fazer uma análise do custo-benefício de uma postura mais aguerrida, com ameaça de retaliações, etc. E eu penso que o governo brasileiro vai estar, antes de mais nada, olhando à sua volta, vendo como os outros países estão reagindo, sobretudo aqueles que ficaram na parte inferior da tarifa, como é o caso do Brasil. E o cálculo tem que levar em consideração as consequências dessa ação mais assertiva, tanto no curto quanto no longo prazo. Evidentemente, ainda que essa postura venha a ser um pouco mais agressiva, o caminho mais promissor neste momento, a meu ver, é o de dialogar, de tentar entender melhor quais são as avenidas possíveis de negociação e de solução desse conflito, antes de se desenhar uma estratégia mais definitiva para a atuação do Brasil.

Também na quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o PL da Reciprocidade, que segue agora para sanção presidencial. A proposta é vista como uma resposta ao tarifaço de Trump. Como o senhor avalia essa ferramenta legal? 

A proposta de lei que está em curso não prejulga a decisão do governo brasileiro sobre atuar ou não de maneira mais agressiva, retaliando, seja em bens, serviços ou propriedade intelectual. O projeto de lei apenas oferece o embasamento jurídico necessário caso o governo opte por esse curso de ação.  Nesse sentido, ele é muito bem-vindo, porque os governos, quando mexem nas tarifas ou impõem restrições comerciais, precisam de mecanismos legais no seu ordenamento interno para adotar essas medidas. O próprio presidente Trump, quando adota essas medidas, invoca uma lei de segurança nacional ou de emergência nacional. Dependendo da situação, o instrumento jurídico muda. Mas, na medida em que o governo não tem um embasamento legal para adotar medidas dessa natureza, ele fica com as mãos atadas. Pode até querer adotar uma medida um pouco mais dura, mas não tem os meios para fazer com que isso aconteça. Então, eu acho que o PL oferece a munição para o governo, mas ele não prejulga se essa munição deve ou não ser usada.

No primeiro mandato de Trump, ele isentou o Brasil de novas tarifas. Acredita que, após negociações, Trump pode voltar atrás em relação à sobretaxa de 10% e isentar novamente o país como no passado – considerando o atual presidente brasileiro, que é crítico ao governo norte-americano?

É difícil dizer, porque o próprio presidente Trump, na locução dele na quarta-feira (2), não fez nenhuma referência a negociações ou a prazos para que elas aconteçam. A única coisa que é dita é que essas tarifas ficarão em vigor até que a questão do déficit comercial e das tarifas recíprocas seja, de alguma forma, resolvida ou mitigada. Isso significa que não está muito claro qual será o papel das negociações nem como elas serão conduzidas. Porque, como a medida é horizontal — não é [aplicada] produto a produto, nem é setorial — é difícil entender exatamente o que se espera como resultado dessas negociações. E vamos considerar que as tarifas adicionais que estão sendo implementadas obedecem a uma matemática muito rudimentar e que dificilmente servirá de base para nortear as negociações que eventualmente venham a acontecer.

O senhor acredita que os países afetados pelas tarifas dos EUA podem aumentar suas importações do Brasil, especialmente de produtos do agronegócio?

Isso não está sob o controle do Brasil nem do agro brasileiro. Isso vai depender muito de como os outros países, que possam ter se sentido prejudicados pelas medidas americanas, venham a se comportar — por exemplo, adotando medidas de retaliação. Depende também do tipo de medida de retaliação. Por exemplo, produtos norte-americanos que concorrem com o produto brasileiro nos mercados internacionais, nessas áreas, o exportador brasileiro verá uma oportunidade, devido à própria retração da presença do produto norte-americano no comércio daqueles países que eventualmente estejam adotando essas medidas de retaliação. Mas nós temos que esperar e ver como isso vai se desenvolver.

Qual é o papel da OMC nesse cenário? Há uma nova ordem mundial de comércio?

O papel da OMC é de ponto de referência, de âncora para balizar o relacionamento entre os outros países, o mundo menos um. O comércio mundial não se resume aos Estados Unidos. Os Estados Unidos hoje representam em torno de 13%, 14% do comércio mundial. Tem os outros 87% que continuam circulando e cruzando fronteiras. Então, a OMC e as regras multilaterais de comércio são mais importantes do que nunca, até para evitar que a gente desemboque na lei da selva, onde cada um faz o que quer. As próprias respostas de retaliação dos países contra os Estados Unidos, se eventualmente isso acontecer, devem ser adotadas com muito cuidado para que isso não contamine o resto do relacionamento comercial com todos os outros países. Eu acho que as medidas do presidente Trump basicamente pegam o livro de regras da OMC e jogam no lixo. Agora, isso não quer dizer que o sistema seja inútil. Muito pelo contrário, acho que, nesses momentos, há a necessidade de uma âncora, de uma referência, para os outros países continuarem se relacionando e encontrando outras oportunidades e alternativas. Mas o sistema da OMC de fato está defasado e antiquado. As regras foram negociadas nos anos 1980, quando nem existia internet. O mundo mudou muito de lá para cá. A maneira de se fazer negócio mudou. Todo o espaço digital que se desenvolveu, o comércio eletrônico, os sistemas de comunicação, tudo mudou. Há outros atores importantes, como China, Índia, inclusive o Brasil, que assumiram uma importância maior em termos de comércio internacional. Então, isso tudo pode demandar uma revisão do sistema da ordem econômica comercial internacional. E o que está acontecendo agora, quem sabe, pode provocar essa revisão. Não acho que seja uma coisa que vai acontecer imediatamente; pode ser uma perspectiva de longo prazo, uma reforma e a criação de uma nova ordem. Mas para isso, acho que muita água ainda tem que passar por baixo dessa ponte.

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"Pai orgulhoso do Davi e da Leonor, casado com a Roberta, minha parceira de vida e meu maior apoio. Como conservador, acredito profundamente na importância da justiça e do reconhecimento do esforço individual, valores que considero fundamentais para construir uma vida íntegra e significativa. Minha fé evangélica é o alicerce que sustenta minha existência, pois acredito que Deus é a razão e a fonte de tudo, guiando meus passos e dando propósito a cada escolha que faço. Vivo para honrar meus princípios e para cultivar uma vida baseada na verdade, na ética e no amor ao próximo, sempre buscando ser um exemplo para minha família e comunidade."

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