Estudo lista 409 espécies silvestres de cogumelos comestíveis
Com gosto suave de pimenta ou parecido com o de camarão, de consistência macia, fibrosa ou cartilaginosa, cogumelos silvestres podem ser usados para fazer molhos, omeletes, saladas, picles, missô e doces. Embora pouco conhecidas e ainda difíceis de achar, 409 espécies comestíveis crescem em diversas cores e formas nos troncos das árvores e no solo da Mata Atlântica e dos outros biomas brasileiros, segundo estudo publicado em dezembro de 2024 na revista IMA Fungus, que teve a participação de pesquisadores de oito estados brasileiros.
Para fazer a lista, os especialistas compilaram os dados das espécies já registradas para o país a partir da lista de um estudo mundial com 2.189 espécies comestíveis, elaborada por pesquisadores de 14 países e publicada em 2020 na revista Comprehensive Review in Food Science and Food Safety. Depois, fizeram um levantamento bibliográfico para cada uma delas, e coletas de campo para confirmar a identificação por meio de análises de DNA.
Nelson Menolli Jr / IFSP, Mariana Drewinski / IFSCCookeina tricholoma e Tremella fuciformisNelson Menolli Jr / IFSP, Mariana Drewinski / IFSC
“A base do conhecimento sobre a comestibilidade das espécies está na etnomicologia, ciência que estuda a relação entre fungos e sociedade”, detalha o micólogo Nelson Menolli Jr., coordenador do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão em Micologia (IFungiLab) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e coautor dos dois artigos. Das 409 espécies, 59 impõem restrições ao consumo que envolvem a necessidade de serem cozidas ou de algum outro cuidado no preparo e consumo para evitar reações adversas. As outras 350 podem ser consumidas sem nenhum efeito prejudicial.
Menolli coordena um projeto realizado no âmbito do programa Biota FAPESP que tem o objetivo de estudar a diversidade de cogumelos do Brasil, incluindo as espécies comestíveis silvestres. Os cogumelos são as estruturas reprodutivas de alguns fungos que se desenvolvem a partir do micélio, o conjunto de filamentos que forma a sua estrutura e se espalha sob o solo ou por troncos de árvore.
Thiago ComenaleLaetiporus gilbertsoniiThiago Comenale
“É a mais ampla compilação de cogumelos comestíveis do país”, avalia a micóloga chilena Giuliana Furci, da Fundação Fungi, uma organização não governamental (ONG) sediada em Nova York, Estados Unidos, em conversa com Pesquisa FAPESP. Segundo ela, que não participou do estudo, a lista deve crescer porque muitos indígenas e coletores rurais comem cogumelos sem saber de que tipo de organismo se trata. “Alguns desses fungos não têm a configuração de haste e chapéu e parecem com um graveto, recife de coral, uma ostra ou um peixe”, observa.
“Confirmamos a identidade e a ocorrência no país de 86 espécies comestíveis da lista inicial, com base na literatura ou em análise genética”, afirma Menolli. Para as 323 espécies restantes, serão necessários estudos mais detalhados de amostras a serem coletadas em campo – em sete anos, foram 120 expedições em 11 estados. “A identificação precisa das espécies é importante para evitar intoxicação”, alerta o pesquisador. Estima-se que cerca de 1% das 29 mil espécies de cogumelos conhecidas no mundo pode causar diarreia, vômito ou intoxicação, e cerca de 30 delas chegam a ser mortais.
“Não há experimento que indique se uma espécie de fungo pouco estudada é tóxica, pois muitos compostos são desconhecidos”, ressalta a micóloga Mariana Drewinski, autora principal do artigo da IMA Fungus, resultado de seu doutorado no Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA). Hoje ela lidera uma empresa de cultivo, que visa à comercialização de cogumelos comestíveis. “Se não tem certeza da identificação, aprecie com os olhos, mas não coma”, adverte.
No doutorado, Drewinski estudou o potencial de cultivo de quatro espécies de cogumelos comestíveis silvestres do Brasil como alternativa aos três que já contam com cultivo comercial estabelecido: shitake (Lentinula edodes), shimeji (Pleurotus ostreatus) e champignon (Agaricus bisporus), todos de origem europeia ou asiática. “O shitake, por exemplo, cresce em temperaturas de 16 graus Celsius [oC] a 20 oC”, relata a bióloga. Os silvestres podem crescer em clima mais quente, em todas as regiões do país, ampliando a região produtiva atualmente concentrada no Sul e Sudeste.
Nelson Menolli Jr / IFSP, A. C. MoraisPhilipsia dominguensis e Macrocybe titansNelson Menolli Jr / IFSP, A. C. Morais
Coletores urbanos
Uma estratégia dos pesquisadores para encontrar cogumelos comestíveis é fazer contato com coletores independentes pelas redes sociais. Foi assim que o etnomicólogo Cristiano Coelho do Nascimento, estudante de doutorado no IPA e um dos autores do artigo publicado em dezembro, chegou em 2022 ao bairro de Parelheiros, extremo sul do município de São Paulo.
“Cerca de 15 moradores forrageiam cinco espécies de cogumelos silvestres”, relata Nascimento. Os fungos crescem em uma área preservada de Mata Atlântica e são usados para consumo próprio ou para a venda em pequenas quantidades a vizinhos e restaurantes. Como a colheita é restrita ao período de reprodução e os cogumelos duram cerca de dois a três dias, o transporte é difícil e o fornecimento irregular.
O chef Raphael Vieira, do 31 Restaurante, na região central paulistana, compra os cogumelos desde 2010. “Eu não achava que eles fariam sucesso, mas os clientes gostaram”, relata ele, que se especializou em comida vegetariana. “O que me agrada é a possibilidade de criar novos pratos, baseados na variedade de sabores, nos tipos de fibra e nas técnicas de preparo dos cogumelos.” No restaurante, o chef prepara na grelha, em temperatura baixa, o cogumelo conhecido popularmente como chapéu-de-sol ou chapeleta (Macrolepiota bonaerensis), colhido em Parelheiros. “Fica com textura de ostra e sabor delicado e único.” A espécie produz cogumelos brancos com escamas alaranjadas de até 24 centímetros (cm) de altura e chapéu com até 12 cm de diâmetro.
Nelson Menolli Jr / IFSPFavolus brasiliensisNelson Menolli Jr / IFSP
Segundo Furci, da Fundação Fungi, caçar cogumelos é tradição em países da Europa, onde há guias populares para as espécies locais. Na Itália, é necessário fazer um curso e obter licença para coletar e identificar os fungos para consumo. “No passado, as pessoas levavam os cogumelos até o farmacêutico, que indicava os comestíveis”, relata. “No México, coletores vendem centenas de espécies em mercados locais, uma tradição que remonta aos povos pré-colombianos”, conta ela, que já colheu cogumelos nas ruas de Santiago, no Chile, seu país natal.
Em análises preliminares do valor nutricional dos cogumelos silvestres cultivados pela equipe de Menolli, o químico e farmacêutico Aníbal de Freitas Santos Júnior, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), verificou que, assim como as espécies comerciais de origem estrangeira, as que ocorrem no Brasil são fonte de aminoácidos e micronutrientes essenciais, que o organismo não produz e precisa obter dos alimentos. “Eles contêm gorduras insaturadas, que auxiliam no aumento do colesterol bom, o HDL, e diminuição do ruim, o LDL, além de serem ricos em fibras e minerais, como potássio, ferro, zinco, dentre outros”, observa o pesquisador.
Share this content: